sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Medo de voar

* Extraído do livro "Medo de Voar", de 1973, autora Erica Jong. É um pequeno trecho do primeiro capítulo "A Caminho do congresso dos sonhos ou a foda sem zíper" *

...O que todos os anúncios e todas as revistas masculinas pareciam sugerir era que se você, ao menos, fosse suficientemente narcisista, se tomasse os devidos cuidados com seu odor, seus cabelos, peitos, cílios, axilas, sua região púbica, seu horóscopo, suas cicatrizes e com a escolha da marca do uísque no bar - haveria de encontrar um homem rico, bonito, poderoso e potente que satisfaria cada desejo seu, preencheria todos os buracos, faria seu coração dar um salto (ou parar de bater), a faria sonhar e a levaria até a lua (de preferência sobre asas diáfanas), onde você viveria totalmente feliz para sempre.

E o aspecto mais doido disso tudo era que, mesmo se você fosse inteligente, mesmo que passasse sua adolescência lendo John Donne e Shaw, mesmo que estudasse história ou zoologia ou física e esperasse dedicar a vida seguindo alguma carreira difícil e cheia de desafios - ainda assim teria a cabeça cheia daquela baboseiras a que toda ginasiana se entregava. Não faria diferença se o seu QI fosse 170 ou 70, você não escapava da lavagem cerebral. Apenas a aparência exterior era diferente. Apenas o papo era um pouco mais sofisticado. Por baixo de tudo, você sonhava em ser aniquilada pelo amor, ser suspensa no ar, ser preenchida por um pau gigantesco jorrando esperma, espuma de sabão, sedas e cetins e, é claro dinheiro. Ninguém se preocupava em lhe dizer como era o casamento realmente. Você nem possuía, como as moças européias, uma filosofia de cinismo e praticidade. Você esperava não desejar outros homens após o casamento. E esperava que seu marido não desejasse outras mulheres. Então, os desejos surgiam e você se via tomada pelo pânico do auto-desprezo. Como podia ser tão má? Como podia continuar apaixonando-se por homens estranhos? Como podia ficar observando dessa forma o volume que crescia dentro das calças deles? Como podia participar de uma reunião, imaginando a maneira de trepar de cada um dos homens da sala? Como podia viajar num trem, fodendo homens totalmente estranhos com os olhos? Como podia fazer tudo aquilo com seu marido? Alguma vez alguém lhe disse que talvez aquilo não tivesse nada absolutamente a ver com seu marido?



E o que dizer daqueles outros anseios que o casamento sufocava? Aquela vontade de cair na estrada de vez em quando, de descobrir se você ainda conseguiria viver sozinha em sua própria cabeça, descobrir se você conseguiria sobreviver em uma cabana no bosque sem enlouquecer; descobrir, em suma, se ainda era uma pessoa inteira após tantos anos sendo a metade de algo (como o parceiro que faz as patas traseiras de uma fantasia de cavalo no teatro de variedades).


Cinco anos de casamento haviam me feito comichar por todas essas coisas: comichar por homens, comichar por solidão. Sentia cócegas por sexo e por uma vida reclusa. Sabia que essas comichões eram contraditórias - e aquilo tornava as coisas piores. Sabia que as minhas comichões eram antiamericanas - o que tornava as coisas ainda piores. Nos EUA é heresia adotar qualquer modo de vida que não seja como a metade de um casal. A solidão é antiamericana. Pode até ser tolerada num homem - em especial se ele for um "solteiro glamouroso" que "sai com aspirantes a estrela" durante um breve intervalo entre casamentos. Mas se uma mulher é sozinha, sempre se presume que é por ter sido abandonada e não por sua escolha. E ela é tratada de acordo: como pária. Simplesmente não existe uma maneira digna de uma mulher viver sozinha. Oh, ela pode ser bem-sucedida financeiramente, talvez (embora não tanto quanto um homem), mas emocionalmente nunca é deixada em paz. Seus amigos, sua família, seus colegas de trabalho, nuncam a deixam esquecer que o fato de não ter um marido, de não ter filhos - seu egoísmo, em suma -, é uma afronta para o modo de vida americano.






Mais exatamente: a mulher (mesmo sabendo como suas amigas casadas são infelizes) não pode nunca ficar sozinha consigo mesma. Vive como se tivesse constantemente à beira de alguma grande realização. Como se estivesse esperando que o Príncipe Encantado a carregasse para longe "de tudo aquilo". Tudo o quê? A solidão de viver dentro de sua própria alma? A certeza de ser ela mesma e não a metade de outra coisa?


Minha resposta a tudo aquilo não era (ainda não) ter um caso e nem (ainda não) cair na estrada, mas desenvolver minha fantasia da Foda sem Zíper. Que seria mais do que uma foda. Era um ideal platônico...

... Para a verdadeira e definitiva foda sem zíper de primeira classe, era necessário que você não viesse a conhecer o homem muito bem. Eu havia notado, por exemplo, que todas as minhas paixonites se dissolviam tão logo eu me tornava realmente amiga de um homem, começava a compreender seus problemas, ouvia suas queixas com relação à esposa, ou às ex-esposas, à mãe, aos filhos. Depois disso, passava a gostar dele, talvez até amá-lo - porém sem paixão. E o que eu queria era paixão... - ... Depois disso, ele se transformava num inseto preso por um alfinete, num recorte de jornal plastificado. Eu poderia apreciar sua companhia, até admirá-lo em algumas ocasiões, mas ele já não tinha o poder de fazer-me acordar trêmula no meio da noite...

Desse modo, outra condição para a foda sem zíper era a brevidade. E o anonimato a tornava ainda melhor.

Um cenário para a foda sem zíper (postagem anterior)

... Sem zíper, vejam bem, não porque os europeus usem braguilhas com botões e não com zíper, nem porque os participantes sejam tão arrasadoramente atraentes, mas porque o incidente possui toda a rápida compreensão de um sonho e aparentemente está livre de qualquer remorso e culpa; porque não fala do falecido marido ou da noiva do soldado; porque não existe racionalização, porque não há fala nenhuma. A foda sem zíper é absolutamente pura. Livre de motivos ulteriores. Não existe jogo de poder. O homem não "toma" e a mulher não "dá". Ninguém tenta cornear um marido ou humilhar uma esposa. Ninguém procura provar nada ou arrancar algo de alguém. A foda sem zíper é a coisa mais pura que existe. E é mais rara do que o unicórnio.

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