sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Foda sem zíper

* Extraído do livro "Medo de Voar", de 1973, autora Erica Jong. É um pequeno trecho do primeiro capítulo "A Caminho do congresso dos sonhos ou a foda sem zíper" *

Um encardido compartimento de trem europeu (da segunda classe). Os bancos são de couro sintético e duros. Uma porta deslizante dá para o corredor. Oliveiras passam correndo pela janela. Duas camponesas sicilianas estão sentadas em um lado, com uma criança no meio. Parecem ser mãe, avó e neta. As duas mulheres competem entre si para entupir de comida a boca da menina. No outro lado (junto a janela), está uma bela jovem viúva, usando um pesado véu negro e um vestido preto apertado que revela suas formas voluptuosas. Transpira profusamente e seus olhos estão inchados. O lugar do meio está vago. O assento do corredor é ocupado por uma mulher imensamente gorda, com um buço. Com suas ancas enormes ela ocupa quase a metade do lugar vago no centro. Ela lê uma fotonovela: onde os personagens são modelos fotografados e os diálogos aparecem em pequenos balões acima de suas cabeças, como nas histórias em quadrinhos.

As cinco vão sacolejando por um tempo, a viúva e a mulher gorda em silêncio, a mãe e a avó falando com a menina e entre si, sempre sobre comida. E então o trem pára com um rangido em uma cidade chamada (talvez) CORLEONE. Um soldado alto de lar lânguido, a barba por fazer, mas com uma bela cabeleira, de covinha no queixo e olhos indolentes e um tanto diabólicos, entra no compartimento, olha em redor com insolência, vê o meio espaço vago entre a gorda e a viúva e, com muitas desculpas galantes, se senta. Ele está suado e desalinhado, mas basicamente é um admirável pedaço de carne, apenas um pouco rançoso pelo calor. O trem deixa a estação rangendo.

Agora, nos apercebemos apenas o sacolejo do trem e do modo rítmico como as coxas do soldado vão rogando contra as coxas da viúva. Evidentemente, também roça as ancas da senhora gorda, que tenta se afastar dele, o que é desnecessário porque ele nem toma conhecimento dela. Ele observa a grande cruz de ouro balançando de um lado para o outro no profundo sulco entre os seios da viúva. Ping. Pausa. Pong. Bate em um seio úmido e depois no outro. Parece hesitar no meio, como que paralisado entre os dois imãs que se repelem. O poço e o pêndulo. Ele está hipnotizado. Ela olha pela janela, fitando cada oliveira como se jamais tivesse visto uma antes. Ele se levanta desajeitado, faz uma meia mesura para as damas e se esforça para abrir a janela. Quando volta a sentar-se, seu braço acidentalmente toca a barriga da viúva. Ela não parece notar. Ele pausa a mão esquerda no banco entre sua coxa e a dela e começa bolinar com dedos leves sob e em volta da carne macia. Ela continua a observar as oliveiras como se fosse Deus e tivesse acabado de criá-las e estivesse pensando em um nome para lhes dar.

Entrementes, a senhora obesa guarda a sua fotonovela em sua bolsa feita de fitilho de plástico verde iridescente, cheia de queijos malcheirosos e bananas enegrecidas. E a avó embrulha restos de salame em uma folha de jornal engordurada. A mãe faz a menina vestir um agasalho e esfrega seu rosto com um lenço, amorosamente umedecido com a saliva materna. O trem range e pára numa cidade chamada (talvez) PRIZZI; a mulher gorda, a mãe, a avó e a menina deixam o compartimento. O trem dá a partida. A cruz de ouro recomeça a balançar - ping, pausa, pong - entre os seios úmidos da viúva, os dedos dele começam a enroscar-se sob as coxas dela, que continua a fitar as oliveiras. Então os dedos se introduzem entre as duas coxas e as afastam, e se movem para cima até a carne exposta entre as grossas meias pretas e a cinta-liga, e se enfiam por baixo do elástico até o lugar úmido entre as pernas dela, sem calcinhas.

O trem entra em uma galleria, ou túnel, e na semi-obscuridade o simbolismo se consuma.

Temos então a bota do soldado no ar e as paredes escuras do túnel e o balanço hipnótico do trem e o longo apito agudo quando ele finalmente reemerge.

Sem dizer nada, ela salta numa cidade chamada, talvez, BIVONA. Atravessa os trilhos, pisando cuidadosamente sobre eles com seus sapatos pretos apertados e grossas meias pretas. Ele a segue com os olhos, como se fosse Adão imaginando um nome para dar-lhe. Então ele se levanta de um salto e sai correndo do trem atrás dela. Nesse exato momento, um comprido trem de carga passa pela linha paralela, bloqueando-lhe a visão e a passagem. Depois de vinte e cinco vagões de carga, ela desapereu para sempre.

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